E a resposta do Jornal Público à Carta de Sócrates
José Sócrates confirma projectos na Guarda mas nega ilegalidades
O primeiro-ministro confirmou ontem, na carta enviada à directora do PÚBLICO, ser o responsável por todos os projectos que estiveram na origem das notícias da edição de ontem referentes à sua actividade privada quando já era deputado em regime de exclusividade, entre 1988 e 1990. Sócrates considera que tal está "em conformidade com as normas legais de exclusividade em vigor", uma vez que diz ter feito os projectos "a pedido de amigos" e afirma não ter recebido qualquer remuneração.
Colocando a tónica na existência ou não de remuneração, e deixando de lado o argumento usado pelo primeiro-ministro em 2007 de que se tratava de uma actividade "muito residual", o primeiro-ministro remete para uma questão que não é consensual a nível jurídico.
À época dos factos, que é anterior ao actual Estatuto dos Deputados (elaborado em 1993 e já muitas vezes alterado), as dúvidas que envolviam o regime de exclusividade dos deputados, criado em 1988, levaram a Assembleia da República a pedir à Procuradoria-Geral da República (PGR) um parecer sobre esta matéria.
Esse parecer, datado de 1992 e homologado pelo Parlamento, afirma que aquele regime implica "a impossibilidade legal de desempenho de qualquer actividade profissional, pública ou privada". Admite, porém, que possa haver actividades permitidas excepcionalmente, remetendo, por analogia, para as permitidas noutras profissões com dedicação exclusiva, como as que implicam direitos de autor, realização de conferências, palestras e outras actividades análogas. Não existem, porém, referências à possibilidade de se exercer uma actividade não remunerada.
A questão da alegada gratuitidade dos serviços leva os dois juristas que o PÚBLICO ontem conseguiu contactar a considerar que José Sócrates não contrariou o parecer da PGR. O professor catedrático de Coimbra Vieira de Andrade diz que é preciso "ver caso a caso e, em primeiro lugar, verificar se não é uma actividade incompatível com o estatuto e função de deputado pelo princípio da imparcialidade, por exemplo". E desdramatiza: "Se é um caso de um pedido de amigos, de um projecto de engenharia que se faz à noite, nas horas vagas, não é incompatível com as funções de deputado."
E caso seja uma situação "de cuja remuneração abdique, então não é considerada uma actividade profissional", entende o lente de Coimbra, secundado por Tiago Duarte, professor da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa. Este jurista realça, todavia, que "não é vulgar trabalhar sem receber", sobretudo nestas profissões técnicas, e "se se vier a verificar que recebeu dinheiro, então estava em incumprimento".
O parecer da PGR é de Janeiro de 1992 e, um mês e meio depois, o então deputado José Sócrates pediu aos serviços da Assembleia que lhe fosse pago o subsídio de dedicação exclusiva, com retroactivos, referentes aos períodos entre 15 de Outubro de 1988 e 31 de Dezembro de 1991.
A excepção foi o mês de Março de 1989. Nesse mês declarou ter recebido 475 euros por um projecto, explicou então, depois de questionado pelos serviços do Parlamento, embora ao PÚBLICO tenha dito em 2007 que o valor resultava de "acerto final de contas". Mas reconhecia que mantivera uma colaboração regular como responsável técnico de uma empresa de construção até 1989, embora tenha recebido o subsídio de exclusividade desde Outubro de 1988.
O assunto da exclusividade, que continua por esclarecer, não esgota porém as questões ontem noticiadas pelo PÚBLICO. Acerca das sucessivas e duras advertências que a Câmara da Guarda lhe dirigiu por causa da falta de rigor e cumprimento das regras técnicas e legais em muitos dos seus projectos, chegando a ameaçá-lo com "procedimento legal", Sócrates diz apenas: "Sempre cumpri os meus deveres e exigências profissionais, mesmo em caso de divergências ou discordâncias, que são próprias desta actividade, com as entidades administrativas competentes na apreciação e aprovação de projectos".
De fora do "esclarecimento" tornado público fica também o motivo que levou a câmara a afastar Sócrates da direcção de obras particulares, sem que ele ou o dono das obras o tenham requerido, depois de o ter repreendido por causa da forma como desempenhava as suas funções.
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